segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Childe Harold - Excertos - Do canto III - Byron

114

O mundo, eu não o amei, nem ele a mim, –
Bons inimigos, vamos sem rancor.
Não as achei, mas creio que há, enfim,
Palavras que são coisas, vi a cor
Da esperança e cheguei mesmo a supor
Virtudes sem perjúrio ou falsidade;
Nos prantos dos demais vislumbro dor
Em dois ou três, e penso, de verdade,
Que o bem pode existir e assim felicidade.

114

I have not loved the world, nor the world me, –
But let us part fair foes; I do believe,
Though I have found them not, that there may be
Words which are things, – hopes which will not deceive,
And virtues which are merciful, nor weave
Snares for falling: I would also deem
O’er other’s grief that some sincerely grieve;
That two , or one, are almost what they seem, –
That goodness is no name, and happiness no dream.


(do livro “Byron e Keats Entreversos”, Traduções de Augusto de Campos, Editora Unicamp)





domingo, 29 de setembro de 2013

Ressurreição - Menotti del Picchia

II

“Ser feliz! Ser feliz estava em mim, Senhora...
Este sonho que ergui, ou poderia pôr
onde quisesse, longe até da minha dor,
em um lugar qualquer, onde a ventura mora;

onde, quando o buscasse, o encontrasse a toda hora
tivesse-o em minhas mãos... Mas, louco sonhador,
eu coloquei muito alto o meu sonho de amor...
Guardei-o em vosso olhar e me arrependo agora.

O homem foi sempre assim... Em sua ingenuidade
teme levar consigo o próprio sonho, a esmo,
e oculta-o sem saber se depois o achará...

E, quando vai buscar sua felicidade,
ele, que poderia encontrá-la em si mesmo,
escondeu-a também, que nem sabe onde está!”


(do livro "Poemas", Editora Itatiaia Limitada)



sábado, 28 de setembro de 2013

Diego Maquiera

El gallinero


Nos educaron para atrás padre
Bien preparados, sin imaginación
Y malos para la cama.
No nos quedó otra cosa que sentar cabeza
Y ahora todas las cabezas
Ocupan um asiento, de cerdo.

Nos metieron mucho Concilio de Trento
Mucho catecismo litúrgico
Y muchas manos a la obra, la misma
Que em esos años
Repudiaba el orgasmo
Siendo que esta pasta
Era la única experiência física
Que escapaba la carne.

Y tanto le debíamos a los Reyes Católicos
Que acabamos con la tradición
Y nos quedamos sin sueños.
Nos quedamos pegados
Pero bien constituidos;
Matrimonios bien constituidos
Familias bien constituidas.

Y así, entonces, nos hicimos grandes:
Aristocracia sin monarquia
Burguesia sin aristocracia
Clase media sin burguesia
Pobres sin clase media
Y Pueblo sin revolución.


(do livro "Poesia Sempre", Ano 1, Número 1, Fundação Biblioteca Nacional, Departamento Nacional do Livro)



sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Para viver um grande amor - Vinícius de Morais



O espectro da rosa


Juntem-se vermelho
Rosa, azul e verde
E quebrem o espelho
Roxo para ver-te

Amada anadiômena
Saindo do banho
Qual rosa morena
Mais chá que laranja.

E salte o amarelo
Cinzento de ciúme
E envolta em seu charme

Te leve castanha
Ao branco negrume
Do meu leito em chamas.


(do livro "Para viver um grande amor", Círculo do Livro)


 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Panorama - Dado Amaral



Antes fosse um sonho
Algo que principia e finda
Mas era vívida, e é ainda
Vertigem nítida à qual me oponho

Ou antes, ela é que se opõe a mim
Mas se sou eu mesmo quem a engendra
Fera que dei à luz e que me devora
Dia a dia, hora a hora, segundos sem fim

E a cena assim se configura, medonha
Uma luta torpe e desigual
Pois há apenas um adversário
O algoz e ele mesmo, que a sós, não sonha

Sou eu que deliro, devaneio em vigília?
Ou será a vida mesmo assim, angústia,
Incerteza, agonia? Beco só entrada, sem saída
E o sol seco sucumbindo em uma ilha.


(do livro "Olho nu", Mundo das Ideias)


 
 

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

O espelho trincado - Antonio Alves



II


Metrô das Seis.

Signatário de mim.
sigo por entre a estrada de vida aberta,
fechado com minhas inquietações.

Rês que sou, observo a boiada humana rumo ao metrô das seis.
Mesmo que eu gritasse, esperneasse, xingasse
e ultrapassasse a faixa amarela,
continuaria a reforçar a ordem vigente.
O que existe é um sentimento consanguíneo de rasgar quem está na sua frente,

para pegar o melhor lugar na janela da vida.

Não me falem em religião,
ciência ou ideais políticos.
Para mim, anarquia deveria ser religiosa.

Feito um sal de frutas fervendo na água,
sigo por entre a urbana boiada
ruminando desejos e poemas.
Sacolejando, desmanchando, em bolhas sumindo,
sumindo... sumindo...
Shiiiiiiii...


(do livro "Cine Poesia Primeira Sessão apresenta Olho Vivo", Mundo das Ideias)





terça-feira, 24 de setembro de 2013

Cid Rodrigo Leite

Olhares

A mirada penetrante
dos amigos não tem beira
é translúcida clareira
é olhar petrificante.

Falavam-se sem a veste
de qualquer palavra-imagem,
contemplavam a celeste
direta e pura linguagem,

entretanto, inibidos,
assaz o momento abusa,
sentem-se por fim coagidos
nos olhares de medusa.


Cid Rodrigo Leite, Poeta.
http://dasolidaopura.blogspot.com.br/


segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Livro das perguntas - Pablo Neruda

XXXII


Há algo mais tolo na vida
que chamar-se Pablo Neruda?

Há no céu da Colômbia
um colecionador de nuvens?

Por que sempre se fazem em Londres
os congressos de guarda-chuvas?

Sangue cor de amaranto
tinha a rainha de Sabá?

Quando Baudelaire chorava
chorava com lágrimas negras?


XXXII

Hay algo más tonto en la vida
que llamarse Pablo Neruda?

Hay en el cielo de Colombia
un coleccionista de nubes?

Por qué siempre se hacen en Londres
los congresos de los paraguas?

Sangre color de amaranto
tenía la reina de Saba?

Cuando lloraba Baudelaire
lloraba con lágrimas negras?


(do livro "Livro das perguntas", Tradução: Olga Savary, L&PM Pocket)