quarta-feira, 5 de março de 2014

Idade do zero - Zeh Gustavo



Carnaval ou meio-fio


Leve, fatigado:
As dores de minha memória me isolam de mim.
Nada me obedece no meu corpo.
Fragmentos me sorriem.
Poros me salientam.
Sambas me decantam.
Aves e formigas me adotam.
Palhaços se encarregam de minha alimentação.
Estou em desapego. Sigo no descompasso.
A Lapa me mora.
Trago minha vida.
Falo sozinho.
Luto contra inimigos antigos, invisíveis.
A noite é concreta e me destina.
Vai acabar chovendo migalhas de pão invés de choro da lua.
A rua me sobrevive densamente.
A rua tem história, seu próprio fardo.
A rua sofre. Não gosto de perturbar ainda mais a rua.
Nós sofremos então calados, integrados em nossas dores disformes.

E aí o traste do poema sufoca e acaba.


(do livro “Idade do zero”, Escrituras Editora) 



Um comentário: