domingo, 16 de março de 2014

Poemas satíricos - Gregório de Matos



Soneto


[Descreve a vida escolástica.]

Mancebo sem dinheiro; bom barrete,
Medíocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato[1],
Cabelo penteado, bom topete.

Presumir de dançar, cantar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsídia[2] ao Moço do seu trato,
Furtar a carne à ama, que promete.

A putinha aldeã achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.

Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto é ser estudante[3].


(do livro “Poemas satíricos”, Editora Martin Claret)



[1] Tipo de brincadeira da região portuguesa do Minho.
[2] José Miguel Wisnik sugere o significado de “contar mentira”.
[3] Este é um dos inúmeros “retratos” na obra de Gregório de Matos. Através de detalhes, que funcionam como pinceladas rápidas, o poeta vai compondo a imagem do estudante, cuja descrição comporta uma série de predicados, dos quais nenhum diz direto à sua função primordial. Sua vida se constitui em folgar, galantear e viver de expedientes, Aparentemente, há o intuito de conferir permanência ao quadro, à medida que as formas verbais predominantes são infinitas. (Antonio Dimas)

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