sábado, 31 de maio de 2014

Nicolai Assiéivev



Coração batendo sem que se ouça


Dias se sucedem,
                            semanas se sucedem,
torvelinham
                    num galope célere;
como se cavalgássemos
                                       sobre um tempo de aço
voando
 – olhos abertos –
     pelo espaço.
Assim a vida,
                      ela nos atravessa –
o ouvido zoa,
                      o coração dispara,
como
        se quisesse
                           saltar para
fora,
         – é só o que lhe resta!
Se alguém
                  tenta detê-lo,
                                        ele se altera:
toca a rebate,
                      dá por paus e pedras!
E quantas vezes
                           o coração
                                            explode
e não se ouve
                       a explosão
                                         que o sacode.

1959

(Tradução de Haroldo de Campos)


(do livro “Poesia Russa Moderna – nova antologia” traduções de Augusto e Haroldo de Campo com revisão e colaboração de Boris Schnaiderman, 3ª edição, Editora Brasiliense)



sexta-feira, 30 de maio de 2014

Alice Souto, incorporando Beatriz Provasi



Gordura gostosa



 
[Pelo corpo de Beatriz Provasi]

Peço ao poeta intelecto
que presa pelo verso enxuto
não venha com seu bisturi agudo
me corrigir a figura

Sei, exagero
Não conto nem meço
Modelos me apertam
Nem faço dieta

Se liga, esteta
Não faça da letra um lipo
Respeite meus vícios
Meus textos tem cuspe e saliva
Escrevo com a língua

Se corta o que sobra
Decepa delícia da forma
Mas todo mundo sabe, a gordura
Faz a carne mais gostosa

E musa não goza
Plástica deforma
Mais vale o riso à obra
Que venha a velhice
Rugas da prosa
Carícias da morte

Esqueça palavra reta
Meu verso é meu corpo
Siga minhas curvas
Repito como peitos
E redundo como bunda

E se eu corto, meu caro
Não é plástica de embelezamento
Cometo esquartejamento
Para o poema ser mais violento




 Alice Souto é psicóloga, poeta e produtora cultural. Autora dos livretos: "Traça a Traço" (2011) e "Poesia Auto-Sustentável" (2012), publica no blog Artefaros (www.artefaros.blogspot.com). Participa e produz saraus de poesia como o Saraval, do Ratos Di Versos, na Lapa e Sarará, no Ponto de Leitura Conto a Conto. Trabalhou na produção e formatação do projeto REP – Ritmo e Poesia no Jacarezinho, patrocinado pela Secretaria de Culura (Sec - RJ), e integra e produz o grupo Farani Cinco Três Poesia e Performance, do CEP 20.000, do poeta Chacal. Apresenta-se em eventos culturais e poéticos da cidade como a Pelada Poética, Corujão da Poesia, entre outros. Participa da equipe de produção do projeto Fora de Área – oficinas e interferências , no Sesc Tijuca, desde abril de 2012.

Beatriz Provasi é poeta, performer e atriz. Cursou Mestrado em Artes Visuais na UFRJ, com bolsa do CNPq, onde desenvolveu a pesquisa "Meu corpo como livro". É doutoranda em Literatura, Cultura e Contemporaneidade na PUC-Rio, com o projeto "Vandalismo Poético". Integra o grupo Madame Kaos, com Juliana Hollanda e Marcela Giannini. Atuou em diversos eventos, tais como CEP 20.000, Corujão da Poesia, FLIP, FLIPORTO; em shows com Arnaldo Brandão e Tavinho Paes, etc. Autora dos livros “Inventos raios e trovões” (2008), “Esfinge” (2010) e “Todos esses cães latindo no peito” (2012), e do blog www.numanoitequalquer.blogspot.com.




quinta-feira, 29 de maio de 2014

Referências - Manoel Carlos

Isto


E há também o que vai a enterros
para promover sua saúde.
E o que compra a beleza
para parecer pródigo de luz.
E o que dá esmolas
para salvar-se no espelho.
E o que faz versos
Para vingar-se.



(do livro “Bicho alado”, Editora Nova Fronteira)



quarta-feira, 28 de maio de 2014

A mordida do cordeiro - Leopoldo Comitti

Orla


Um ente estranho
entrou na luz
da sombra negra.
Mariposas e mosquitos
esvoaçam espavoridos.
Não era luz,
nem sombra,
apenas contorno
do nada, circulando
a ausência.



(do livro “A mordida do cordeiro”, Editora Patuá)